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30 janeiro 2023

Kaede - a personagem que "salva" o anime Harém SHUFFLE

 




Bom dia a todos. Eu sei que eu já falei há uns 10 anos atrás sobre Shuffle, um dos animes mais confusos que eu já assisti na vida, mas cá estou eu mais uma vez. Mas dessa vez eu venho para falar um pouco dele em geral, no entanto com um foco em uma personagem em especial, Kaede. Já deixo claro que esse post será uma discussão sobre o anime e não uma resenha, portanto ele conterá diversos SPOILERS. 

Resumindo a história básica de Shuffle. Num futuro distante, os Deuses e Demônios começaram a habitar a terra de forma pacífica (Sim, só vieram para povoar tudo na amizade). A história gira em torno de Tsuchimi Rin, um aluno do ensino médio gentil e divertido. Ele perdeu os pais ainda criança e por isso cresceu junto com sua amiga de infância, Kaede. Ela possui uma forte devoção a ele, agindo praticamente como sua esposa (a famosa "esposa bela, recatada e do lar", huehue BR BR... que horror). Simultaneamente uma das veteranas e muito amiga dos dois, Asa, demonstra ter sentimentos por Rin. Se não bastasse isso, a vida aparentemente pacífica deles sofre mais uma reviravolta, Sia, a herdeira do reino dos Deuses, e Nerine, a Herdeira do reino dos Demônios se matriculam na escola e admitem publicamente ter sentimentos por Rin por conta de terem o encontrado quando eram crianças. E com isso temos nossa boa e velha fórmula de comédia romântica harém. 


A estrutura narrativa de Shuffle:


Pois é, ai temos a proposta número 1: um anime de comédia romântica harém. Várias garotas gostam do mesmo garoto. O garoto é um menino bonzinho, indo na oposição do hábito de comédias românticas de filmes Hollywoodianos onde o mocinho tem que ser o bad boy e os meninos bonzinhos ficam sozinhos. Aqui o rapaz gentil  é rodeado de moças apaixonadas e dentro do padrão de beleza local. Inclusive, exceto a Asa, todas as mocinhas possuem um fã-clube de rapazes que ameaçam agredir qualquer pessoa que flerte com elas. E uma das piadas recorrentes do anime é o Rin fugir deles mesmo que ele nunca tenta nada com nenhuma delas. 

Como eu já mencionei na resenha, o foco aqui é "Quem vai ficar com Rin?". O anime adota uma postura quase episódica focando em uma garota por vez. São episódios cômicos, cheios de cor e vida. Então temos a Sia querendo estudar com Rin; Nerine aprendendo a cozinhar; Kaede sentindo que perdeu o propósito como "cuidadora" dele; e Asa desistindo de um possível namoro por querer explorar melhor seus sentimentos por Rin. E quando o ciclo de episódios abordando todas elas acaba, ele recomeça e elas são abordadas novamente. 
Honestamente, o anime até ai é bem acima da média em relação aos demais harém, pois o foco não é só o fan-service, ele a cada episódio aproxima uma das mocinhas mais do Rin e todas elas tem chances iguais. 




O ponto de mudança do anime é no episódio 12.  E é ai que temos a proposta número 2. Esse é o ponto em que o passado de cada uma das mocinhas começa a ser abordado. Então, da mesma forma que tínhamos na primeira metade tramas episódicas delas se aproximando fofamente de Rin, agora temos a mesma estrutura episódica, só que mostrando o que há por trás do sorriso gracioso delas. Vemos ai transtornos de múltiplas personalidade, obsessão e forte sentimento de culpa. Tudo isso com uma mudança brusca de trilha sonora, visual e tom. As personagens femininas que transpareciam certeza e alegria, mostram ter múltiplas camadas. Os ambientes coloridos, vivos e divertidos agora se tornam repleto de sombra, vazio e solidão. 

Cada uma das personagens passa pelo seu arco. Nerine passa a aprender a parar de viver a vida que os outros esperavam dela e Sia aprende a se amar. Mas o ponto alto dessa segunda parte é as protagonistas humanas (Kaede e Asa). Sei que o ponto mais chamativo de Shuffle é o lado mágico do enredo, o que o torna bem inteligente, pois acaba nos cativando na primeira metade dando uma sútil maior importância para Sia e Nerine. Mas o ponto mais forte e impactante da história fica para as personagens do mundo humano (Kaede e Asa). 


Kaede:



Esse ponto da história é talvez o maior arco do anime (episódio 18 a 21). Talvez por abordar simultaneamente as duas personagens e finalmente chegando em quem Rin escolheu como par romântico. O mais mágico da narrativa aqui, é que ficamos tão imersos no passado das duas personagens que até paramos de nos importar com o lado romântico da história. Agora vamos por partes, pois a narrativa envolvendo a Kaede sempre foi a que mais me chamou a atenção. 

Eu mencionei anteriormente que Kaede é praticamente uma esposa para Rin. Esse sentimento de "cuidar" que ela tem por ele é tão intenso que nos episódios iniciais temos momentos cômicos do quão inútil ela se sente agora que as demais mocinhas o ajudam com estudos, medicamentos, almoço, etc. Isso é um cliché de alguns animes harém, ter alguma mocinha que é devota ao seu amado, mas Shuffle faz diferente e mostra o lado doentio disso. Para começo de conversa é estranho ver alguém vivendo PARA outra pessoa dessa forma, a primeira impressão que temos é que trata-se de um "amor" que beira a obsessão. Mas, o plot twist mais impressionante da história dos dois é que o que alimentou essa devoção esse tempo todo foi culpa 

Como eu disse antes, Kaede e Rin cresceram juntos. Para quem os vê no início do anime, parece que a relação deles sempre foi desse jeito: a de um casal não muito saudável. Pois é, Rin perdeu os pais num acidente de carro e Kaede perdeu a mãe nesse mesmo evento. Isso quando ambos eram bem jovens, eu chutaria entre 7 e 9 anos de idade. E por uma série de acontecimentos Kaede, ainda criança, passa a acreditar que Rin teve alguma culpa nisso. Em seguida vemos que Kaede decidiu infernizar a vida de Rin de todas as formas possíveis: desde o abusando verbalmente dizendo coisas como "pessoas como você deveriam morrer", até mesmo o agredindo fisicamente. 

E é num momento chave depois de anos o tratando mal que Kaede finalmente percebe que Rin não teve nenhum envolvimento com o acidente dos seus pais. E numa cena bem intensa, ela abraça Rin, chora e implora de todo o seu coração por perdão. E assim começou a devoção dela, por culpa de o ter feito tão mal por tanto tempo. Com o tempo ela veio a começar a amar o mocinho, mas seus sentimentos não o alcançam mais, pois mesmo que disfarce muito, Rin não consegue esquecer as feridas de sua relação. 

Nesse ponto do anime é que vemos que Rin está quase namorando Asa e por uma série de pequenas alterações comportamentais vemos que Kaede está desenvolvendo e incubando um ódio enorme por Asa chegando ao ponto de gritar para ela: "Me devolva o Rin" e "Você deveria morrer!". E isso culmina com a decisão mais forte e correta de Rin em todo o anime: ele resolve sair daquela casa e frear aquela relação tóxica que os dois alimentaram por anos.


E após tudo isso, depois de uma forte crise emocional, Kaede e Rin conseguem encerrar esse longo capítulo em suas vidas. Kaede admite ama-lo mas vem a entender que a distância que se criou na relação dos dois pelas feridas não terá mais volta. E em um momento de empatia, Rin explica que os dois não poderão ser um casal, mas que a ama sim como família.


Depois desse encerramento para os dois, Kaede volta para casa se sentindo sozinha. Mas ai vem a surpresa, ela encontra em casa Primura (a "filha adotiva" dos dois) fazendo uma refeição para Kaede e nesse pequeno gesto caloroso, ela percebe que não está sozinha e finalmente pode começar a seguir em frente com sua vida amando quem mais importa, a si mesma. 

De todas as coisas extravagantes que Shuffle apresenta, sempre foi a relação de Kaede com Rin que mais me incomodou. E rever o anime recentemente me fez perceber o quão inteligente foi dissecarem as diversas camadas desta relação. Sei que Shuffle foi baseado em uma Visual Novel, mas eu já a joguei e ela não tem a mesma visceralidade que o anime tem de abordar a história dos dois. Se for para explicar o que torna a Kaede fascinante, eu diria que o quão estranha ela é a princípio, para depois mostrar uma camada sombria e até meio pertubadora, mas nos conseguindo dar ainda um pingo de empatia, pois ela é uma pessoa que precisava de algo mais do que "cuidar de alguém" e se redimir. Ela precisava aprender a se valorizar e isso por si só mantê-la viva. 






















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